domingo, 9 de janeiro de 2011

Jeanne - Rolando Vezzoni

O artista levava uma mala,
nela carregava o amor.
A história lembra dele te-lo dito.
Mas,em algo mais acredito,
que escondido nos fez um favor:
Guardou no fundo dela,
para ele e Jeanne toda a dor.
a prova disso se via
em seu rosto no fim de tudo
nada mais tinha
além do que jazia,
seu Modigliani mudo.
Seca lágrima pendia
pintada duma tinta
do tom mais negro do mundo

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

tentativa pretensiosa de entendimento dos poetas humanos.

“Queria ser burro, assim não sofria tanto”.
Lá na época de Sebastião, um dos grandes exemplos de liderança medíocre e de estupidez.
No enterro de Camões, um dos seres mais humanos jamais vistos, Pessoa, que estava passeando pela história, olha chateado para o poeta caolho(inutilmente jazido no caixão, agora exposto como frango de padaria para os futuros intelectuais e outros animais) quando Quiroga afirma sarcástico:
-Atacam quem reclama do desconcerto do mundo, mas aquele de olhar atento, deve ficar no mínimo desconcertado, com os supostos homens que neste planeta apodrecem.
-Me desculpe, mas você está muito certo.- respondeu Pessoa dando nadando na garrafinha de absinto que escondia em seu paletó.
Para Quiroga, o velório já acabara, pois logo estaria em casa, e cometeria suicídio, ocasião a qual ele não poderia chegar atrasado, quanto ao Pessoa, já não importava, pois havia mais uma centena de nomes para procurarem enquanto estivesse ausente, então resolveu ir para um boteco da esquina acalmar o cérebro.
Chegando lá encontrou um sujeito maltrapilho que "arrotava" poesia, dormindo na mesa do fundo com um galão de vinho barato em sua mesa.
-Olá, posso tomar um trago dessa garrafa? A propósito, muito prazer, meu nome é Fernando.
-Você parece menos babaca que os outros filhos da puta que estão aqui, pode tomar, meu nome é Bukowski, Charles Bukowski... Você não é aquele gênio que escrevia uns troços e bebia demais?
-Achei que esse era você, o escritor marginal.
-Somos todos nós, “escrever é como uma doença, uma droga, uma forte compulsão, não me agrada pensar em mim como escritor. Talvez escrever seja apenas uma forma de lamento, alguns simplesmente se lamentam melhor que os outros.”*
-Nosso problema é simplesmente que somos humanos demais, pensamos demais, e sentimos demais, por isso nos matamos, enchemos a cara, e nos marginalizamos... As pessoas são estúpidas e torturam os homens com sua estupidez, não somos assim, por isso sofremos.
-E vale a pena?
-”tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”.



*parafraseado do livro ''Hollywood'' de Charles Bukowski.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Parada.

Nesse exato momento estou sentado num banco numa parada de ônibus no meio da estrada; a caneta de plástico na minha mão está gelada, preferia ter um lápis um apontador e uma borracha. Sempre há o medo de errar e de borrar e na verdade já borrei um pouco, mas escolhi a incerteza, a impossibilidade de reescrever, então que assim seja. Do meu lado está sentado um velho que fuma um cigarro e lê uma revista, uma qualquer que pode ser lida por qualquer pessoa num banco enquanto espera. O cigarro é de uma marca padrão, assim como o meu e também minha caneta, meu caderno e até nossas roupas que nem distinguem a nossa idade; ainda assim é o meu cigarro, a minha caneta, o meu caderno e as minhas roupas, já que nenhum deles tem o mesmo sabor para cada um de nós, tenho certeza disso. Não que isso faça diferença pra ele, já que ele só está numa pausa, esperando o ônibus, para mim por outro lado faz toda a diferença do mundo a minha caneta ter um sabor um pouco diferente daquelas que eu mordiscava nas aulas de geografia do ginásio.
Talvez já tenha conseguido explicar que na verdade não estou esperando qualquer um dos ônibus que estão na minha frente. Na verdade espero muito mais: ainda não sei qual eu vou pegar, embora em teoria deveria continuar seguindo pelo mesmo que vai levar ao destino que (teoricamente) escolhi quando o peguei. Claro, isso vai exigir um pouquinho de trabalho: subir ás escondidas e procurar um lugar vazio, encontrar algum motorista mais simpático que aceita um pequeno capricho desses, ou algum mais solícito ao dinheiro que guardo no bolso e me deixe sentar ao seu lado para ver a estrada (a estrada porque todas as estradas enquanto estradas são sempre a mesma coisa).
Mas, por que? Tem algum sentido nos meus atos? Gostaria tanto que tivesse, que fosse uma vontade pura, algo impensado e necessário, mas na verdade não sinto isso. Também não sinto querer chegar em algum qualquer lugar, quero na verdade não saber onde vou chegar, espero na verdade nunca chegar. Nada muito difícil, é só subir em qualquer um deles e descer na próxima parada. Não em uma cidade por favor, não quero identidade nenhuma, algum lugar como esse aqui.
Seria tão mais óbvio se fosse um ato de coragem, de perseguir a liberdade ou algo do gênero. Óbvio mas muito mais verdadeiro, muito mais...seguro de uma maneira boa. Não, é a outra opção óbvia, estou fugindo. Uma fuga completa, pura, a fuga pela fuga, quero entrar nela e viver para todo o sempre(ou pelo menos no tempo que é todo o sempre).
Minha mulher me disse que para quem é corajoso tudo se resolve. Na verdade aí o corajoso é aquele que se dispõe, o que consegue perceber o momento, sua condição e ainda assim atravessar isso, para moldar então o próximo instante. Eu sou um covarde, sempre fui um covarde, só posso querer ser um covarde, á parte isso não tenho em mim nenhum dos sonhos do mundo. Eu quero os sonhos do mundo, droga, só que isso é um capricho grande demais pra um covarde, então agora eu quero só o mundo.
Por ser um covarde tomei todas as pílulas que suavizam o inferno, o caos. Mulher, comida, dinheiro, livros... Mas cada vez o efeito era menor e menor e menor, ao mesmo tempo que isso criava sua própria vida que só tornava então a minha própria. Uma vida externa a mim e não há outra a muito tempo...Toda vida tem como objetivo acabar, normalmente acaba quando falta ar nos pulmões ou o sangue pára de circular. Não aconteceu nada disso. Um dia cheguei um pouco mais cedo do trabalho depois de passar na casa da minha amante e quando entrei em casa descobri minha mulher com o próprio amante. Eu já sabia, ela já sabia que eu sabia e também da outra. Podia muito bem ter dito um oi, desculpe por atrapalhar, que tal um vinho? E quase fiz isso: antes de perceberem estava na cozinha pegando uma garrafa, mas a bula foi seguida á risca: quebrei a garrafa na cabeça dele, joguei minha mulher no chão e senti o prazer da ira(que surgiu dentro dos conformes). Até cai de bruços e comecei a soluçar no auge da autopiedade, que acalorava todo meu corpo naquele momento. O homem foi embora e minha mulher em vez de abraçar pedindo desculpas, disse que eu era um idiota. Depois foi defenestrando minhas coisas pela janela: um livro que me dera faz uma semana, todas as minhas roupas, meus cds, meus livros...A vida morria e era impressionante a beleza daquilo, todas aquelas coisas sem o menor significado, cds ouvidos só pelo ouvido, livros lidos só pelos olhos...
Foi assim, perdi aquilo que eu chamava vida, não estou aqui para procurar outra, ou para criar outra. Poderia ter me suicidado há tempos, mas não consegui, posso destruir o corpo que sobrou, mas já disse que sou covarde. Só quero me envolver totalmente na covardia agora.
Não vou escolher o ônibus. Agora boto óculos escuros, fecho os olhos, coloco minha caneta sobre o caderno e a giro. Sinto com as mãos para onde está apontando e vou cego até o ônibus. Ninguém abordaria um cego, agora abro os olhos, escolho um assento. Por sorte não há ninguém aqui.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

a acefalia coletiva.

Amanheceu, como ontem, anteontem...
Ele acordou, tomou banho, e se vestiu.
Ela preparou o café da manhã.
Eles comeram.
Ele foi ao trabalho, e ela ao colégio das crianças para a reunião de pais.
O outro o encontrou no trabalho.
-bom dia.
-bom dia.
-o que temos para fazer?
-não sei...
Era outro dia normal de trabalho.
Ela encontrou com a outra na reunião de pais.
-bom dia.
-bom dia.
-como tem ido as crianças?
-bem, e o seu menino?
-bem.
Encaminhavam-se para a reunião.
Eles saíram para almoçar, mas nunca tinham fome, então bebiam em um bar das redondezas.
O centro da cidade era muito pequeno, tinha muita gente deitada ocupando espaço da calçada, muito cheiro de fezes humanas na praça... Como odiavam andar por ali. O barman os viu chegando.
-duas?
-duas.
-é.
-o que você vai fazer depois do trabalho?-perguntou o outro.
-eu estou tendo um caso, mas nada sério, vou ficar até mais tarde no escritório.
-você não é casado?
-sou.
-ah.
Voltaram para o escritório, respirando a poluição da cidade, que lhes incomodava, por mais que soubessem que ela é necessária para o progresso... Então reclamavam em silencio, para si mesmos.
Já era uma e meia, como ontem, anteontem...
Elas saíram da reunião, que havia sido exaustiva. Todos reclamavam das crianças e dos jovens...
-é normal fazer brincadeiras maldosas com os outros! Quem nunca fez? Hoje em dia reclamam de tudo.
-falaram algo dos seus?
-nada de importante, e do seu?
-nada.
-o que você fará hoje?
-nada, meu marido fica até mais tarde no trabalho, não preciso fazer jantar, então eu vou assistir tevê, e você?
-vou encontrar com um velho amigo meu hoje mais tarde...
-ah.-ela deixou o colégio e voltou para casa.
Ela não queria ir para casa, odiava ficar só. Mas logo as crianças voltariam, e ela teria com o que se ocupar.
O outro já havia saído do escritório, havia perdido o emprego por ter bebido no almoço.
Ele não.
O outro parou no bar, e vai por lá ficar um bom tempo, afinal, a outra ficaria irritada com a notícia pois adora comprar coisas.
O dia passou mais um bocado, como os outros que vieram antes.
Ele estava só no escritório.
A outra estava chegando.
Encontraram-se, transaram, e foram embora.
A outra chegou em casa, não viu o marido, e foi dormir.
Ela esperou ele chegar.
O outro dormiu no sofá do bar.
Ele foi dormir com ela.
-como foi seu dia?
-normal, e o seu?
-normal.
-boa noite.
-boa noite.
E eles dormiram, como ontem, anteontem...

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

a vela

Já havia tempos que não bebia mais nada, o porre já se dissipava.
Arrastei-me como um velho fugitivo. Mas aquilo de que eu fugia era minha própria fuga, aquela que cedo me parecia o sangue de deus.
Entrei quase destruindo a porta, da casa que por fora já mostrava abandono extremo e podridão. Dentro era pior.
Era tudo tão escuro.
Procurava no interior um conforto, mas o álcool me impedia da lucidez necessária para se chegar a um objetivo.
Na escuridão brilhava fraca uma vela em um candelabro torto, andei cautelosamente em direção ao seu calor...
Enquanto me aproximava percebia algo se materializando nas sombras.
Um rosto.
Olhos enormes, com olheiras maiores, uma boca lotada de dentes e escárnio, a palidez de quem não ama e as feições de quem sabe apenas temer e odiar. Odiei aquilo que via, fedia a invalidez e morte.
Enlouqueci. Urrei. Corri. Abati minha preza.
Tudo se desmaterializou, e as pedras brilhantes choveram sobre meu pé.
O que vi era a minha imagem, meu reflexo...
Lá eu jazia, no chão, quebrado como um quebra-cabeça incompleto e sujo de sangue, do meu sangue.
Tentei encaixar as peças da minha existência, mas a vela já havia apagado, não haveria mais luz, nem esperança. Eu havia perdido a mim mesmo.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A Aula de informática

Na forma de um relato desesperado escrevo esta prosa
A partir de agora poesia
decidi escrever em estrofes

Tal qual luz na intempérie da tempestade minha mente fulgura
não de inteligência, sobressalto
ou algo divino
Brilho com o desespero de uma chama que não quer ser apagada pela tempestade
que tudo oprime e subjuga

pra que raios no currículo de um médico
constam aulas de informática para crianças?

Na forma de um relato desesperado escrevo essa prosa, que deixou de ser poesia porque a maldita da vaca da professora me mandou desligar o computador.

Baseado em fatos reais

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

terça-feira, 8 de setembro de 2009

édem(eu)

poderia eu ter nascido...
no jardim da alienação

onde todos os campos sao eliseos
toda flor é de plastico
e toda pretençao é poesia...

por lá onde não há hipocrisia
nao existe guerra para se temer
nem deusa para louvar

onde o céu é certo
a comida nao engorda,
o fumo não mata,
a droga não vicia,
e se é intocavel

onde se compreende tda
a dor,
a brisa,
o amor,
a vida

local erudito, no qual...
o toque, nada mais é que um toque.
a beleza nada mais é do que a face.
e o pensar é inútil, ninguem o fez, faz, ou mesmo fará